Desde Giordano Bruno e Galileo (na verdade muitos antes), a Igreja Católica sempre revelou particular vocação científica. Agora, o Osservatore Romano publicou um estudo científico subscrito pelo Presidente da Federação Internacional da Associação de Médicos Católicos, Pedro José Maria Simón Castellvi, anunciando que a pílula anticonceptiva «está a provocar efeitos devastadores no meio ambiente, em virtude da expulsão de toneladas de hormonas para a natureza através da urina das mulheres que a tomam», para já não falar de «outros efeitos secundários», designadamente (as mulheres, e não só a natureza, que se cuidem) o cancro.
Quando eu era adolescente, o padre Zacarias era a maior sumidade científica do liceu D. Manuel II. Se o santo homem não me houvesse alertado de que a masturbação causava cegueira, andaria agora por aí de bengala na mão a vender cautelas da Lotaria. Felizmente, o aviso foi a tempo, e fiquei-me (minha culpa, minha tão grande culpa) por 2,5 dioptrias num olho e 6 no outro, embora não tivesse evitado a calvíce, outra consequência científica - além da surdez e do crescimento de pêlos na palma das mãos, provavelmente os que desapareceram da cabeça - do mesmo pecado contra a natureza. Foi também pelo padre Zacarias que, nesses dourados anos, soube que o preservativo causava cancro exactamente no sítio que o leitor imagina, por ser fabricado, o preservativo, à base de silicone, e daí que ainda hoje se tenha horror à palavra silicone.
Afastei-me, Deus me perdoe, da Igreja, mas os alicerces da minha fé na ciência estavam lançados. Sei, porque os cientistas da Igreja mo ensinaram, que a Terra - mesmo rodando, como alguns dizem, à volta do sol - tem, feitas as contas pelo Génesis, 6132 anos, mais coisa menos coisa, que, como ensina a cientista Sarah Palin, o homem caminhou na Terra ao lado dos dinossauros, e que a Geologia, a Física , a Química (muito especialmente o potássio-40 e o argónio-40, o rubídio-87 e estrôncio-87 e o urânio-238 e chumbo -206), a Matemática, a Astronomia, a Biologia, são obra do Demónio e Lyell, Lodre Kelvin e Darwin seus núncios, pois está escrito que «sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro está sob o poder do Maligno» (1 João 5:19)
Um espírito científico aberto como o meu está sujeito a errar, nas felizmente o Osservatore Romano acaba sempre por me esclarecer. Confesso que cheguei a convencer-me de que o aquecimento global era provocado por gazes com efeito estufa, clorofluocarbonetos, óxidos de enxofre e de azoto, monóxido e dióxido de carbono e que tais, mas os cientistas ateus omitiam deliberadamente a urina das mulheres que tomam a pílula e encharcavam a natureza de hormonas. É certo que a urina das mulheres que não usam pílulas e que, como manda a Igreja, engravidam também lança na natureza progesterona, hormona gonadotrofina coriónica e gestagénios em geral, mas essas são hormonas boas.
Já não bastava Eva ter conspirado contra o Espírito, agora andar por a ai a urinar e a conspirar contra a natureza.
