sexta-feira, agosto 14

sim, aceito - 3

Hoje é o dia mais importante da minha vida. Diabos, já estou a ficar atrasada para o cabeleireiro! - "Óh mãe!! Já tas pronta para sair? Olha já que horas são!!!" Merda, será que em todos os casamentos há atrasos? Hoje não pode ser uma excepção? -"Porra, mãe! Vá lá!"

Cabelo escadeado cor de noz, leves sardas na cara de menina e corpo de mulher, a Bekas sempre foi energética e de língua solta, que cumpre sempre o prometido. Pontual e assídua, obviamente não suporta o atraso de outras pessoas. Mas parece que hoje se vai atrasar, mas ninguém lhe leva a mal, afinal também é o seu casamento. Com o quarto desarrumado e o corredor cheio de caixas, malas pesadas cheias de passado, tropeça num desses caixotes de recordações e repara que salta para o chão um objecto familiar. Esfrega a perna devido à dor que surge e olha melhor para o objecto, era uma simples caneta com ar de velha, já sem tinta, toda roída na ponta.

- "Oh mãe, despacha-te e anda cá que pelo caminho tenho uma bela história para te contar, acho que ainda não a conheces..."


Outono

A sala estava cheia de alunos. O silêncio não existia, tal era os nervos que tínhamos todos antes desta porcaria de exame, mas afinal para que é que eu preciso de matemática para acabar o curso? Ainda por cima nesta sala. Faz lembrar aquelas bibliotecas antigas cheias de pó, cheias de livros que ninguém lê. Viemos todos para aqui fazer o exame porque a sala que devíamos tar ficou sem tecto, tal era a chuva e ventania da semana passada que nos "obrigou" a ficar em casa sem aulas (bem bom). Tou nervosa. Se gostasse de matemática não tinha vindo para este curso, certo? Ainda por cima esqueci-me do guarda-chuva, apanhei uma bela molha e tou com os pés encharcados, vou apanhar uma daquelas constipações que só me curo no verão. Ainda mais esta, o António ficou ao meu lado... engraçado, não é o mais não fosse eu ter feito figura de estúpida quando comecei a interessar-me por ele sem saber que é perdido de amores pela NAMORADA dele!
- "Então pah, tas pronto para isto?"
- "Hum, mais ou menos... mas consegui estudar, agora estou melhor!"
- "Melhor? Mas tás melh... porra!"
- "O que foi?"
- "Epá, esqueci-me da caneta.... tens ai uma?"
- "Tenho, mas vai-te sair cara!"
- "Vá, deixa-te de merdas, emprestas ou não"
- "Vale um jantar hoje em tua casa?"
- "Mas pensas que sou a tua mãe ou o quê? Vá, pode ser, vamos os 2 chorar por cima da minha sobremesa à conta da triste nota que vamos tirar a esta cadeira..."

Finalmente chegaram ao cabeleireiro. Rapidamente ela e a mãe sentaram uma ao lado da outra. O Jorge estava cheio de inspiração para o cabelo dela hoje. Está aqui a trabalhar à 3 anos, investiu bem, passou um mau bocado mas agora é dos melhores da cidade. Tem uma loja de que ela gosto muito, espaçosa e cheia de cores. -"Então, filha, conta lá o resto da história."

Porcaria de exame. Pelo menos haja alguém que jante comigo lá em casa. As outras tontas já estão todas na terrinha delas, e eu aqui com exames ao sábado à tarde...
Chego a casa com ele. Prédio com 25 anos, elevador minúsculo e dos antigos, sabem como é, Lisboa tem o seu encanto... finalmente em casa. Lugar nestes últimos tempos onde é o meu refúgio e conforto, lar das minhas ideias e criatividades, emoções e dramas do dia a dia. Menu do jantar: atum com massa feito pelo cromo, panna cota feito por mim.

- Então esse atum, tá bom?
- Sim, pelo menos vi de que lata saiu este, não vá ser igual ao atum dos gato fedorento! Então não foste logo para a terrinha já hoje? Não tens família para criar?
- Eu? Tas apanhada do clima? Népia, os meus pais já estão crescidinhos!
- Então e a tua namorada
- Ex, s.f.f. ex-namorada...
- Sério? Que se passou?
- Nada de especial... pensámos que íamos aguentar estarmos afastados... ela lá ganhou a bolsa e foi para o west side dos states...L.A.! Mas quem é que ganha uma bolsa e vai pa L.A.? Ganda sorte... e prontos, com a distância, vamos conhecendo novas pessoas e passado uns meses decidimos acabar o namoro. Poupa-se na carteira, gasta-se menos no coração...
- Então e agora?
- E agora acabamos de comer e vamos ver um filme, o passado ficou...

- E depois filha, o que aconteceu?
- Oh, isso querias tu saber! O resto já se sabe como foi. - Ela neste instante sorri pois apartir dessa noite o mundo mudou para ela, os dias começaram a ser mais longos para que as noites fossem mais intensas, mais curtas e concentradas. Num ápice, duas almas desgovernadas souberam acertar os mesmos passos na vida e desde então viviam felizes, acabando o curso, começando a trabalhar, comprar casa e casar. Vida quase perfeita, não fosse uma pequena cicatriz que António carregava, que sem ele querer ia voltar a abrir, que ia começar um novo dia, uma nova vida.


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